Sobre o meu nome

 Recentemente ouvi a frase "Seu nome não está em lugar nenhum do seu perfil" referindo-se à minha conta no Instagram. Também já percebi pessoas tendo dificuldade em pronunciar aqueles termos em latim, cujo idioma talvez nem seja tão óbvio a todos. Logo, pensei que esse poderia ser um assunto interessante de se abordar.

Veja bem, nomes são coisas poderosas. 

Sim, eu sei que isso soou exatamente como uma citação descontextualizada de uma fantasia genérica, mas é verdade (nem por isso deixa de ser a citação descontextualizada). Vivemos em uma sociedade cristã, onde o mito da nomeação de Adão continua a permear imaginários: dar o nome é participar da criação, assim como afirmar sua autoridade sobre o nomeado. Na filosofia, temos a discussão platônica sobre a correlação entre nome e natureza do objeto (spoiler: ela não existe, a língua é arbitrária). E, claro, isso vazou para as narrativas que contamos, gerando um grande número de romances de fantasia medievais em que os feitiços são, de maneira muito óbvia, apenas o nome "verdadeiro" da materialidade que se deseja manipular. E isso também é reflexo da compreensão humana sobre a influência da linguagem.

Ao falar especificamente sobre nomes de pessoas, deve-se considerar algumas particularidades. Além de carregar a expectativa do nomeador acerca do nomeado, este serve para individualizá-lo em meio a outros, assim como para facilitar sua localização. Acima de tudo, nomes pessoais humanizam, e não há sinonímia mesmo entre pessoas de mesmo nome e sobrenome.

Ao usar meu nome de batismo em uma rede social, eu a faria ser sobre mim, o que nunca foi minha intenção. Afinal, eu sou uma pessoa sem graça. Completamente normal. Ordinária. Não há motivos para criar um espaço de admiração à minha pessoa, especialmente considerando a facilidade com que criam-se relações parassociais. Todavia, a persona que aparece nas fotos e cujo corpo é instrumento e tela de criação deveria ser nomeada, definida de modo a proporcionar uma chave de interpretação aos expectadores. Esse Extraneum é o termo em latim usado por Emanuele Coccia em seu livro A Vida Sensível, que trata sobre imagens e sobre a capacidade humana de criar sensibilidades. Nada mais adequado a uma rede social voltada às imagens, não é mesmo?

Ser imagem significa estar fora de si mesmo, ser estrangeiro ao próprio corpo e à própria alma. Nossa forma adquire um ser diferente daquele natural, um ser que os escolásticos chamavam esse extraneum, ser estranho, ser estrangeiro. O ser das imagens é o ser da estranheza. Isso significa que as imagens não têm um ser natural, mas sim um esse extraneum: entre o corpo e o espírito, que dão lugar ao ser natural, há um ser estranho, estrangeiro. Em outras palavras, as formas são capazes de transitar em um estado que não corresponde nem ao ser natural que possuem em sua existência corpórea (física, mundana) nem ao estado espiritual em que se encontram quando são conhecidas ou percebidas por alguém. (COCCIA, 2010, p. 23, grifos do autor).

Ao escolher especificamente este termo, acabo nomeando a persona não a partir de um ou mais traços de minha personalidade (limitando o que faço a quem sou), mas oriento o foco para o próprio ato de criação e de minha visão sobre tal processo. Claro que não pretendo me livrar de toda pessoalidade, nem creio que isso seja possível, mas busco um trabalho na tensão entre o eu que compreende, vivencia e sente o mundo e as imagens tão profundamente enraizadas nele, mas que não o pertencem. 

 

Comentários